"E tudo fica mais verde
Vim te ver como um bem-te-vi"
O que aconteceu ontem, já não
importa, e não importa porque não há mais recordações de ontem. Não por não
conseguir lembrar-se de absolutamente nada: é que não havia o que lembrar,
porque a menor lembrança coincidia com o que vivia no exato momento. Pra quê
gastar tempo com mais uma coisa que servirá apenas para se repetir no dia
seguinte?
Dormir e acordar, aparentemente,
no mesmo dia, à mesma hora. Passos certos, a mesma mão que ajeita o cabelo
bagunçado ao se levantar, até os mesmos bocejos de quem queria “só mais cinco
minutinhos”.
Segurança e liberdade só se unem
num determinado ponto, a fim de haver um equilíbrio. Mas se erra o ponto, só se
tem uma das duas. A liberdade tem seu preço, a segurança é mais barata. No fim,
fica difícil saber, só analisando o produto, qual compensa levar.
Viver, e saber exatamente como
será o dia seguinte. A segurança tão almejada cresce mais e sufoca a liberdade,
que precisa de mais ar pra poder sobreviver. O preço está cada vez mais caro,
mas se está pagando barato, a fim de ver até onde é possível levar essa
situação.
A verdade, é que se sente cada vez
mais a alma aprisionada, assim como o pensamento. Ora, é como passear sempre
pelos mesmos lugares: as mesmas paisagens, as mesmas pessoas, o mesmo clima e
as mesmas conversas; logo, logo enjoa. O pensamento só se liberta quando não
está mais enjoado, e isso só é possível com um pouco mais de vida.
Não basta ter duas vidas. Elas
pouco se diferem. No fundo, a monotonia de uma e o cansaço da outra geram as
mesmas dores no corpo, as mesmas costas doloridas e a mesma dor de cabeça.
A vida verde amadurece, mas só há
vida se as sementes da liberdade e da segurança forem plantadas juntas.
A
liberdade dá asas e a segurança, raízes; a liberdade dá a copa flexível e a
segurança, o tronco rígido; e, assim, a árvore fica em seu devido lugar, sem
impedir, no entanto, que o vento balance seus galhos e suas folhas e deixe cair
aquilo que não lhe faz bem.